A Ameaça da Escola Dominical
É sempre mais fácil perceber o cisco no olho alheio que a trave encontrada no nosso. De semelhante modo, é mais fácil para os cristãos perceber os pecados do mundo que os pecados da igreja. Cada facção teológica se atém prontamente ao pecado das demais e falha em perceber os próprios.
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R.J. Rushdoony
Esquizofrenia Intelectual
É sempre mais fácil perceber o cisco no olho alheio que a trave encontrada no nosso. De semelhante modo, é mais fácil para os cristãos perceber os pecados do mundo que os pecados da igreja. Cada facção teológica se atém prontamente ao pecado das demais e falha em perceber os próprios.
Talvez não haja outra instância na qual essa cegueira seja percebida de maneira tão sistemática quanto na escola dominical. Provavelmente, não há ameaça maior ou mais sutil para o cristianismo. Quando consideramos o impressionante investimento de tempo e dinheiro envolvido na escola dominical, o problema se torna ainda mais sério.
A escola dominical possui, é claro, seus defensores zelosos, desde J. Edgar Hoover, além de outros por toda a parte. Juízes e autoridades legal fazem coro, de modo geral, com os ministros quando afirmam que as crianças que frequentam a escola dominical com regularidade raras vezes se envolvem na delinquência, e que a vasta maioria dos criminosos são alistados dentre os que se encontram fora das fileiras da igreja. Essas afirmações são verdadeiras e servem apenas para apontar com mais clareza para a essência do problema.
Na atualidade, a escola dominical tem sido exitosa na promoção da cidadania moral. Constitui-se poderosa arma para a ordem e decência sociais. É, de semelhante modo, uma arma efetiva no combate da delinquência juvenil. Os agentes da lei estão corretos na avaliação da função e valor sociais da escola dominical. Quanto a isso, não há o que discutir.
Não temos objeção alguma com relação à moralidade (nem nos é possível fazê-lo); é um resultado adequado e apropriado ao programa da escola dominical, mas podemos e devemos chamar a atenção para o fato de que ela produz não apenas moralidade, mas moralismo. O programa liberal da escola dominical fundamentalista iguala, por vezes, religião e moralismo, ou o acrescenta à religião como o esquema "fé e obras" visando à salvação.
Certa feita, uma jovem, enfrentando sérios problemas pessoais, confidenciou a seu pastor que seus insucessos pessoais e conjugais foram agravados pela instrução na escola dominical. Ela, resultando tanto de igrejas liberais e fundamentalistas, afirmou que todo o aprendizado na escola dominical enfatizava a necessidade de ela ser boa para ser cristã, ao passo que o que aprendera agora declarava com veemência que ela era cristã não pode ser boa, mas porque Deus é bom; que não é sua retidão, mas a retidão divina, que a salvou e era o fundamento de sua vida diária. A primeira atitude a levou a uma vida razoável e amena, mas claramente pautada pela justiça própria, vida em que lidava com os problemas pautando-se pelas próprias obras. A segunda atitude, por seu turno, deu-lhe o reconhecimento da própria natureza como a de uma pecadora salva pela graça, como a humildade radiante e a alegre dependência de Deus que ofereceram esperança para a solução de seus problemas. Na sua mentalidade moralista, ela era incapaz de aceitar a si própria ou mesmo a vida; ela se encontrava repleta de dúvidas e frustrações. Já quando de sua mentalidade piedosa, ela aceitou a si mesma e a vida com o crescente realismo e o reconhecimento gradual de que deveria se ver como Deus a via, estar pronta a aceitar seu amor e reconhecer a honra e a glória que isso lhe conferia, bem como o crescimento com base nesses elementos.
O incidente traz ao centro a ameaça da escola dominical. Ela ensina justamente a fé contra a qual o púlpito declara guerra. Inculca o pelagianismo completo e salvação pelas obras (como nos círculos liberais), ou a fé judaizante (em círculos conservadores). Seus efeitos são quase invariavelmente moralistas. Embora algumas lições materiais enfatizem com nitidez o Evangelho, a maioria absoluta dos professores ensina ainda mais as crianças que elas devem ser boas como Jesus deseja que elas sejam, evitando serem más. Esse ensinamento é uma ofensa constante à pregação piedosa e às Escrituras: subverte todo o cristianismo. O fato de que em algumas escolas dominicais se ensina de fato a salvação e há uma convocação para a decisão e comprometimento não altera os fatos. À expiação e a cruz são acrescidas a bondade e as obras como meio de salvação, e esse é o efeito prático na mente dos pupilos. Quase toda jovem da escola dominical é capaz de fornecer algum tipo de definição do significado do bem e do mal, mas nem uma em dez mil pode definir o pacto da graça.
Deve-se apontar ainda outro fato lastimável. Devida à sua natureza moralista, a escola dominical atrai, como professores, uma grande proporção de "praticantes do bem", pessoas cujo deleite é participar de todo tipo de atividade comunitária, candentes de retidão moral e cívica por agirem assim. À vista de seu moralismo profundamente embutido, eles tendem a menosprezar os cultos de adoração pública, dando mais importância à programação da escola dominical. A frequência familiar nos cultos foi substituída pela prioridade da frequência das crianças na escola dominical. Pelo fato de que a adoração ser igualada à capacidade de compreender — uma equação moralista —, passa-se a afirmar, portanto, que as crianças estão melhor na escola dominical, nas salas das crianças ou no berçário. Não causa surpresa que as crianças educadas na escola dominical deixem a igreja após anos de ensino a fim de retornar só quando tiverem filhos para frequentar a escola dominical. Ela se tornou para eles a instituição central, e o moralismo, sua religião. Eles participam da igreja com o intuito de perpetuar a escola. À vista disso, a escola dominical se transformou no triunfo dos saduceus e fariseus, bem como dos judaizantes. Por vezes, só podemos descrevê-la como anticristã. O pastor que prepara um sermão para a manhã e a noite de domingo, pautado no sentido da fé e vida cristãs, está enfrentando não só a fé do mundo, mas a fé da própria escola dominical.
Por conseguinte, o que as crianças recebem da escola dominical não é a fé piedosa, mas a fé moral, e a única consequência possível desse desenvolvimento é o desastre religioso. Se há algo claro nas Escrituras é que Deus é assaz ciumento de sua honra e não tolera sacrilégio. E o programa da escola dominical moderna é sacrilégio na medida em que sua ênfase não se encontra em Deus, mas no moralismo, e seus resultados analisados em termos de consequências sociais favoráveis em vez de piedade. E, a despeito de onde e quando, caso a escola dominical exista como essa base, em qualquer grau que seja, ela é uma ameaça ao cristianismo e uma ofensa a Deus.
Fonte: Esquizofrenia Intelectual, Apêndice 2 (páginas 189-192).
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