A Importância da Leitura em voz Alta: Da Gestação aos 5 anos de idade.

Você já sentiu vergonha ao fazer a coisa certa? É assim que algumas mães se sentem, ao ler para o bebê recém-nascido, ou para a barriga. Afinal, qual o sentido de ler para um bebê que ainda não entende o que ouve?

A Importância da Leitura em voz Alta: Da Gestação aos 5 anos de idade.

Você já sentiu vergonha ao fazer a coisa certa? É assim que algumas mães se sentem, ao ler para o bebê recém-nascido, ou para a barriga. Afinal, qual o sentido de ler para um bebê que ainda não entende o que ouve?

Há pelo menos duas boas razões. A primeira é que a leitura para o bebê lhe proporciona uma experiência efetivamente significativa, e esse afeto será associado ao momento da leitura, tornando-o agradável e desejável desde os primeiros dias de vida. a segunda é que o desenvolvimento do sistema linguístico do bebê começa muito antes de que ele seja capaz de articular seus pensamentos.

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Não Precisamos esperar que a criança dê sinais de que compreende o que lemos para só então lermos para ela.

Dois experimentos realizados pela Universidade da Carolina do Norte confirmam a primeira afirmação, de que a leitura para recém-nascidos lhes proporciona uma experiência efetivamente significativa.

No primeiro estudo, trinta e três mães passaram as seis últimas semanas da gestação recitando um parágrafo de literatura para o bebê no ventre. Cinquenta duas hora após o nascimento, os pesquisadores expuseram os bebês à audição daqueles mesmos trechos, lidos por uma voz diferente da voz da mãe. Medindo o ritmo de sucção dos bebês, os cientistas constataram que eles reconheciam e se acalmavam ao ouvir os trechos que a mãe costumava ler antes do nascimento.

No segundo estudo, avaliaram-se bebês dois meses antes do nascimento, constatando-se que seus batimentos cardíacos se aceleravam à escuta de uma nova história e se acalmavam ao som de uma história já conhecida. Embora o bebê no útero não consiga ainda discernir com precisão os sons que ouve, ele já reconhece a voz da mãe e capta os aspectos prosódicos da fala, como o tom emocional e o ritmo.

Segundo Maryanne Wolf,

O desenvolvimento inicial do cérebro dá prioridade aos circuitos subjacentes ao sentimento,antes mesmo da cognição. [...] A amígdala no cérebro da criança (que tem participação nos aspectos emocionais da memória) grava suas redes neurais antes que sejam formadas redes para seu vizinho próximo, o hipocampo, o mais conhecido depósito da memória.

Isso significa que a primeira memória na vida de um leitor é afetiva.

A segunda razão para ler para bebês é que eles começam a desenvolver seu sistema linguístico muito antes que sejam capazes de articular pensamentos. Isso significa que eles estão processando a linguagem desde os primeiríssimos momentos. Imagens geradas por ressonância magnética funcional mostram que bebês de dois meses, embora aparentemente tão pouco responsivos, reagem à fala por meio de ativações nos mesmos circuitos de linguagem que nós adultos usamos para ouvir a fala - a ativação é mais lenta, devido à falta de mielinização isolante, mas aumenta rapidamente, conforme acelera-se a transmissão entre neurônios em várias redes.

Essas pesquisas sobre leitura para bebês no ventre ou recém-nascidos não devem despertar nos pais uma ansiedade para desenvolver o sistema linguístico de seus filhos o quanto antes. De modo algum seria desejável disseminar uma “corrida pelo melhor cérebro”, e não é isso que os pesquisadores sugerem, ao apresentar os resultados dessas pesquisas. Elas são apenas um incentivo a que cuidemos da linguagem que oferecemos à criança, e a que extirpemos qualquer dúvida sobre a conveniência de falar ou ler para nossos bebês.

Costumo dizer, ainda, que ler para a barriga ou para o recém-nascido é uma oportunidade de perder todo e qualquer constrangimento na leitura em voz alta. Afinal, se a mãe está desconfortável em ler para o bebê novinho, o que garante que esse desconforto irá desaparecer dentro de alguns meses? até quando esperar? Sete meses? Dez meses? Dois anos? O cérebro do seu filho já está pronto para a experiência, sua voz é o som que ele mais deseja - por que não agora? é uma experiência que não faz sentido adiar, e que vai se tornando mais gratificante a cada dia, como assinala, mais uma vez, Maryanne Wolf:

Pense-se quantas coisas mais podem acontecer nessas regiões cerebrais quando os pais, devagar, deliberadamente, lêem para os filhos, só para eles, num contexto de atenção recíproca. Esse ato desconcertantemente simples traz contribuições imensas: proporciona não só as associações mais palpáveis com a leitura, mas também uma interação entre pais e filhos sem hora para terminar, que envolve atenção compartilhada, aprendizado de palavras, frases e conceitos, e mesmo o conhecimento do que é um Livro.

Em consonância com o que já dissemos sobre a importância da atenção personalizada para o desenvolvimento adequado das crianças, e destacando o papel da leitura em sua formação, Wolf continua: 

Uma das influências mais evidentes sobre a atenção das crianças pequenas envolve o olhar compartilhado que ocorre e se desenvolve quando os pais lêem com elas. Com um mínimo de esforço consciente, as crianças aprendem a voltar sua atenção visual para aquilo que está sendo olhado pelos pais ou cuidador, sem perder nada de sua própria curiosidade e comportamentos exploratórios. Como observa o filósofo Charles Taylor, “a condição crucial para o aprendizado humano da linguagem é a atenção compartilhada”, que ele e outros pesquisadores da ontogênese da linguagem julgam ser um dos traços mais importantes da evolução humana.

A leitura para as crianças pequenas exige certa preparação do adulto, que deve ter suas expectativas ajustadas quanto a forma de envolvimento da criança com a leitura e seu tempo de atenção. Conhecer algumas estratégias baseadas em evidências também ajuda extrair da leitura em voz alta o seu máximo potencial pedagógico, potencializando-a como ferramenta de inserção da criança no caminho da literacia. A seguir, abordarei algumas delas, que podem ser aplicadas pelos pais na leitura dos filhos, bem como por professores de crianças pequenas.

Antes de tudo, é preciso esclarecer que o interesse da criança pelo momento da leitura e o seu nível de envolvimento variam diariamente e segundo muitos fatores: como a criança está se sentindo, a quantidade de distrações em torno, a temperatura do ambiente, a atitude do adulto que está realizando a leitura, o interesse da criança pelo livro, seu conhecimento prévio do livro e etc. Por isso, os pais não devem comparar um dia com o outro, mas ir percebendo ao longo do tempo a mudança de atitude da criança com relação ao momento da leitura, tornando-se mais receptiva e progressivamente atenta.

As estratégias para aumentar o envolvimento da criança com a leitura devem ser aplicadas moderadamente, sem interromper o fluxo da história, mas como uma continuação orgânica da leitura. Não é preciso aplicar essas estratégias sempre que se ler um livro para a criança. Muitas vezes, simplesmente ler do começo ao fim, sem incentivar a sua participação, será suficiente. As estratégias, no entanto, são eficazes para estimular o interesse pela leitura, aumentar o vocabulário, incentivar a fala e promover a compreensão da história.

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Leitura Dialogada para crianças de até cinco anos

Desenvolvida por Whitehurst e outros pesquisadores da literacia, a leitura dialogada é uma estratégia que visa ao desenvolvimento linguístico da criança e que pode ser aplicada depois que o adulto já tiver lido o livro em voz alta pelo menos uma vez. Por meio de perguntas estruturadas, procura-se estabelecer uma interação linguística a propósito do livro, com base em suas ilustrações. A leitura  dialogada é, na verdade, uma forma de estimular a criança a falar, aproveitando a ocasião extremamente favorável da leitura em voz alta.

Essa estratégia baseia-se em três princípios: a) incentivar a criança a envolver-se ativamente com a leitura em voz alta; b) fornecer-lhe modelos de uma linguagem mais elaborada; c) estimulá-la a expressar-se com uma linguagem um pouco mais sofisticada do que o habitual.

Durante a leitura dialogada, o adulto segue uma sequência de perguntas que vão crescendo em complexidade. Deve-se começar com perguntas do tipo “o quê”, “quem”, “quando”, “onde”, “como”, avançado para comandos específicos, de acordo com a capacidade linguística da criança. Com os pequenos que estão começando a falar, as perguntas iniciadas com “o quê”, “onde”, “quem” etc. já são suficientes, sem que seja necessário partir para comandos mais avançados. Avalie sempre a maturidade linguística da criança, para não tornar a interação demasiadamente desafiadora e frustrante.

O quadro abaixo fornece uma visão geral dos tipos de comandos, tomando-se por base a leitura da história de Chapeuzinho Vermelho:

Na leitura dialogada, o adulto avalia a resposta da criança e a expande, tornando-a ligeiramente mais completa. Em seguida, incentiva-se a criança a repetir a resposta completa. Assim, por exemplo:

  • O que a chapeuzinho levava na cesta para vovó?
  • Doces [resposta compactada da criança].
  • Isso mesmo! [avaliação] A Chapeuzinho levava doces e uma garrafa de vinho para a vovó [expansão da resposta]. O que ela levava mesmo?
  • Ela levava doces e uma garrafa de vinho para a vovó.

Caso a criança erre  a resposta, não enfatize o erro e procure conduzi-la à resposta certa.

  • O que a Chapeuzinho levava na cesta para a vovó?
  • Flores.
  • Hum, interessante! Ela poderia ter levado flores. Vamos ver o que ela levou? Doces! Ela levou doces para a vovó [pausa]. O que a Chapeuzinho levou na cesta?
  • Doces.
  • Isso mesmo, ela levou doces para a vovó.

Em toda a interação linguística durante a leitura em voz alta, lembre-se do trio CPR.

  1. Comente e espere;
  2. Pergunte e espere;
  3. Responda expandindo um pouco.

Um dos erros mais comuns na interação com a criança é não dar tempo suficiente para que ela processe o pedido e responda. Caso a criança não responda, forneça a resposta com calma e entusiasmo, sem adotar um tom de reprovação.


Fonte: Livro "O Mínimo sobre Leitura em voz Alta” de Marcela Saint Martin - páginas 92 a 105.


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