Orientação Vocacional e Jornada Acadêmica dos Filhos
Recentemente, li um livro de um escritor japonês chamado "Doce Tóquio " que, em meio a bem elaboradas e poéticas palavras, tenta levar os leitores a perceber que o sentido da vida é tornar-se um membro útil à sociedade.
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“Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade. Feliz o homem que enche deles a sua aljava; não será envergonhado, quando pleitear com os inimigos à porta.” Sl.127. 4-5
Recentemente, li um livro de um escritor japonês chamado "Doce Tóquio " que, em meio a bem elaboradas e poéticas palavras, tenta levar os leitores a perceber que o sentido da vida é tornar-se um membro útil à sociedade. Enquanto lia, imaginava-me a ter longas conversas com o autor nas quais valorizava sua nobre tentativa, mas também dizia-lhe o quão equivocado estava sobre sua afirmação acerca do sentido da vida. O nosso assunto é um pouco sobre isso. Conduzir os filhos pela jornada de formação acadêmica até a universidade, infere essas temáticas do sentido da vida e da necessidade de se tornar útil à sociedade; sobre como conduzir os filhos a descobrir a sua vocação e como eles irão glorificar a Deus em seus ofícios e profissões.
Penso ser importante percebermos que tem havido uma confusão quando se fala em vocação, trabalho e identidade. Vamos primeiramente tentar entender melhor isso.
A compreensão de trabalho foi afetada desde a queda, que passou a ser visto como maldição. Desde os gregos que se tem disseminado a falácia de que “a vida maravilhosa é a vida sem trabalho” e ainda que a “vida contemplativa é mais importante que a vida ativa”. Essa era a ideia que Aristóteles defendia em sua filosofia e mais tarde esse pensamento foi adotado por alguns cristãos, incluindo São Tomás de Aquino que reforçou essa ideia usando a história de Marta e Maria, como se Jesus tivesse valorizado mais a postura contemplativa de Maria do que os esforços necessários de Marta. A Igreja também abraçou essa dicotomia separando o trabalho sacerdotal do trabalho secular. A ênfase dessa dicotomia é que o trabalho que realmente importava era o trabalho do clérigo, dos sacerdotes enquanto os demais trabalhos não eram importantes pois dizia respeito apenas a essa vida humana e terrena. Somente na Reforma Protestante esse pensamento foi corrigido. Os reformadores do século XVI resgataram a ideia de que todo trabalho que seria responder a ordenança divina e re-conceituaram o trabalho “mundano” como um dever que beneficia não apenas o indivíduo, mas também a sociedade como um todo. “A dona de casa trocando a fralda do seu bebê, agrada tanto a Deus quanto o papa fazendo uma oração”, disse Martinho Lutero.
Foi a partir da Reforma Protestante que o conceito de vocação que anteriormente se aplicava apenas aos sacerdotes foi integrado à ideia do trabalho e a dicotomia entre “sagrado” e “secular” foi sendo tratada pelos reformadores e mais tarde os puritanos. Estes não concebiam o trabalho como algo à parte do contexto espiritual e moral e consideravam como trabalho digno todo serviço realizado a Deus e ao homem. Daí veio a concepção de que para o cristão nada é secular, tudo é espiritual.
A modernidade e a era industrial nos distanciou dessas verdades e sem dúvida a era do humanismo, em que o homem é “fim e a medida de todas as coisas”, afetou novamente o conceito do trabalho. Agora, o que antes era um meio dos homens glorificarem a Deus, passou a ser a sua identidade.
O trabalho foi criado por Deus para o exercício do homem. O trabalho não é o fator definidor da nossa identidade. A cosmovisão mundana nos obriga a pensar que “se eu não tenho uma profissão ou trabalho remunerado eu não sou ninguém, não tenho realização, se eu não tenho uma realização eu não tenho uma identidade”.
Na perspectiva do Evangelho a Vocação de Deus sim tem a ver com a minha identidade. Profissão, trabalho não são a nossa identidade. Quem eu sou? Eu sou um indivíduo criado por Deus para viver para a sua glória. Essa definição está esclarecida na resposta da primeira pergunta de nosso Catecismo Maior de Westminster: 1) Qual o fim principal do homem? Glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.
Como eu posso viver para a glória de Deus? Como exerço a minha vocação? um dos meios principais de viver a vocação de Deus é o trabalho. Uma melhor definição de trabalho seria: um meio pela qual eu exerço a vocação de Deus. Qual é a vocação de Deus? viver para Sua glória. de Deus - essa é a nossa vocação.
Desde que iniciamos a trajetória acadêmica de nossas filhas, buscamos orientá-las e guiá-las na descoberta da verdadeira vocação e conduzi-las a uma busca por uma formação acadêmica que esteja alinhada com o desejo de servir a Deus, servindo ao reino e à sociedade. Como a maioria das crianças, elas passaram por várias fases, desde ser astronautas, bailarina, atriz e "lixeira" (ela queria dizer reciclagem). Com a maturidade e melhor aprendizagem acerca das profissões as opções foram se refinando e elas foram afunilando suas escolhas. Apesar de não entendermos que a ida para uma Universidade seja o ápice de uma vida acadêmica, nunca descartamos a hipótese de uma formação superior para nossas filhas, desde que estivesse alinhado com a vocação de cada uma delas.
É claro que quando consideramos os contextos das Universidades e o quão pernicioso tem sido aos nossos jovens, trememos nas bases e passamos a sonhar com uma formação acadêmica profissional onde nossos filhos não necessitem ser enviados à uma escola de formação superior. Entretanto, sabemos que a única coisa que poderá guardar nossos filhos deste mundo vil é o conhecimento da Lei do Senhor e a verdadeira experiência de terem se tornado filhos de Deus. A Universidade sem dúvida poderá ser um terreno hostil para a fé de nossos filhos, mesmo aos que estão sedimentados na caminhada com Jesus. Porém, nada nos assegura que os impedir de ir à Universidade os impedirá de abandonar a fé. O que quero dizer com isso é que a nossa preocupação como pais não deve ser de desviar os olhos de nossos filhos de uma projeção acadêmica com o fim de uma formação profissional, mas o de orientá-los o melhor possível nos caminhos do Senhor e equipá-los na doutrina cristã para a melhor defesa da fé. O ensino da doutrina bíblica, a vida na comunidade cristã, o estudo de nossos documentos de fé serão instrumentos imprescindíveis para esse fim.
Como sempre estivemos com nossas meninas em campo missionário, em ensino doméstico e a maior parte das vezes isolados de comunidades cristãs, principalmente quando abraçamos desafios de plantar igreja em locais ainda não evangelizados, aplicamos sempre muito tempo em conversas, discussões de temas sobre ética, moral, valores e condutas. Muitas dessas conversas eram baseadas em notícias, movimentos de redes sociais e outros. Tudo com o intuito de ouvir como se posicionavam, em que se baseavam, por exemplo, para afirmar que o aborto é crime ou por que posicionavam contra os movimentos como "black lives metter", lgtb e afins. Em conversas assim íamos aparando arestas, oferecendo melhor suporte de informação e tentando aprimorar a capacidade argumentativa de cada uma delas. Como mãe de duas meninas, sempre tive também a preocupação de orientá-las biblicamente sobre a primeira e mais importante vocação de servas de Deus, esposa e mãe. Embora elas pudessem escolher uma carreira profissional, procuramos deixar bem definido que esta jamais poderia sobrepujar ou mesmo suprimir a vocação maior de ser mulher, esposa, mãe e filha de Deus.
Orientar os filhos acerca de sua vocação não é uma tarefa simples e que dure pouco tempo. Há muitos profissionais que se dedicam a orientação vocacional com base em aplicações de testes e estudos de personalidades e outros. Sem que isso represente desprezo por tais métodos, penso que ninguém melhor que os próprios pais e nada mais eficaz que o ambiente familiar para que se descubra e treine a vocação de nossos filhos. Como pais, precisamos conhecer nossos filhos, seus interesses e aptidões. Saber no que são fortes e ter sobre eles um olhar de futuro, uma visão a longo prazo sobre como desejam dedicar suas vidas para Deus.
Minha filha mais velha desde pequena dizia querer ser médica; com o tempo foi desistindo dessa ideia, mas alimentava o desejo de ir para uma profissão relacionada à saúde. Eu, no entanto, não via nela muita aptidão para essa área e sempre questionava seu verdadeiro interesse por pessoas, pelo ser humano, o que é relevante ao profissional da saúde. Eu como mãe sabia que se ela fosse para o caminho do serviço de saúde ela se frustraria e, provavelmente, não seria uma boa profissional. Foram necessárias muitas horas de longas conversas e orientação do coração dela para que ela definisse sobre sua carreira acadêmica superior. Adiamos o ano de entrada na Universidade, não tivemos pressa quanto a sua decisão, esperamos que amadurecesse, se organizasse emocionalmente e, principalmente, tivesse uma experiência mais profunda com Deus. Sempre lhe lembramos o quanto ela era boa em discursos, como facilmente aprendia um novo idioma e também sobre sua maestria natural em resolução de conflitos. Conversamos muitas vezes com ela sobre como ela poderia ser útil ao reino de Deus trabalhando com serviços humanitários; e assim ela descobriu que gostava de lidar e atender pessoas, mas não para tratar da saúde delas. Ela então escolheu fazer Relações Internacionais, um curso que a tem trazido muito aprendizado, crescimento, realização e projeção de futuro. Conhecendo minha filha, eu não imaginava ser tratada por ela como médica ou enfermeira, mas acho que me sentiria bastante segura em tê-la como representante na condução de conflito de nações em uma situação de guerra.
Já a nossa segunda filha sempre soube a área que queria seguir, embora não tivesse clareza da profissão. Ela sempre quis ser artista. Desde pequena suas inclinações para essa área foram evidentes. Diferentemente da mais velha, o nosso trabalho com ela não foi de orientação sobre a vocação ou desenvolvimento de talentos, mas tivemos um longo e profundo trabalho de orientação do seu coração para que ela se conduzisse nessa vocação artística para a glória de Deus.
É recorrente a ideia de que Artes e glória de Deus não caminham juntos. Também, conceituam-se que alguém das artes, como se diz aqui em Portugal, "tem pancada na cabeça". Ou seja, é uma pessoa confusa, desorganizada, mal resolvida e mal sucedida na vida. Muitos artistas viveram precariamente e, apenas após a morte é que suas obras tiveram algum sucesso e projeção.
Eu me contorcia em imaginar uma vida assim para minha filha tão talentosa e espirituosa. Lentamente fui trilhando com ela esse caminho de resgate da arte como parte da manifestação da vontade e da glória de Deus neste mundo.
Debrucei-me sobre o estudo principalmente de História da Arte e Filosofia para ajudá-la a olhar para a arte sob a perspectiva do bom, belo e verdadeiro. Foram muitos embates, suor e lágrimas para que essas verdades se apropriassem de seu jovem coração. O Senhor foi dando-lhe experiências e fortalecimento espiritual que favoreceram seu amadurecimento e hoje ela tem como meta resgatar a arte para glória de Deus. Ela agora está iniciando o curso de Comunicação e Ciências Midiáticas com o intuito de ser um instrumento de Deus no meio artístico e poder fornecer no futuro conteúdos de mídia e entretenimento que perpassa pelos princípios de Deus e sua vontade.
Nesse processo de orientação vocacional, é imprescindível que olhemos para nossos filhos como um universo único e que irão glorificar a Deus também de modo único e pessoal.
Se tive medo? Ainda tenho. Mas transformo meus temores em oração Àquele que tem minhas filhas em suas mãos, afinal: os filhos são como flechas nas mãos do valente.
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Fonte: Val Martins, casada com Rev. Alexandre Martins, pastor da Igreja Cristã Presbiteriana de Portugal, Mãe de Ellem Martins que está com 21 anos e cursa Relações Internacionais pela Uninter, com Pólo na cidade do Porto - PT e Esther Martins, 17 anos, iniciando a jornada acadêmica em Comunication and Media Scineces na Budapest Business University – HU.
Revisão do Texto: Emerson Almeida
Fonte da Imagem: Canva Educalar
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