Técnicas de Estudo: A Atitude da Disciplina
Técnicas de estudo bem aplicadas podem tornar a aprendizagem estratégica. A importância das estratégias de aprendizagem consiste em tornar o uso de nossos recursos materiais e mentais mais racional e, portanto, eficiente.
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Por Hugo Matias
Ao iniciar um curso sobre “técnicas de estudo”, um estudante certamente tem ou teve de lidar com a pergunta – muito justa – sobre a eventual eficácia desse tipo de curso: será que ele poderá mesmo ajudar-lhe quanto aos objetivos que ele persegue e resultados que almeja? Mesmo que tenha vencido essa pergunta, ou não tenha dado efetiva importância a ela, e assim esteja iniciando esse curso, em algum momento ele se perguntará se vale a pena dispender o esforço que aqui se recomendará para que mude seu modo de estudar. E é provável que tal pergunta lhe passe pela cabeça não poucas vezes. Por isso, é importante fazer alguns esclarecimentos e estabelecer a utilidade do que se pretende com este curso.
Há hoje uma grande disponibilidade de material que pretende oferecer treinamento em “técnicas de estudo”, algo muito popular entre estudantes com diferentes objetivos, por exemplo: (a) estudantes de ensino médio – que visam a entrar nos melhores cursos de ensino superior, (b) estudantes de ensino superior – que desejam melhor rendimento em seu próprio curso, (c) e estudantes que se preparam para concursos diversos e desejam melhorar as suas chances. Esse material consiste em livros, cursos de curta duração, tutoriais em vídeo etc. Esses cursos pretendem a transmissão de padrões de comportamento que sirvam à memorização de conteúdo de ensino e também à execução de certas tarefas. A ideia é que esses padrões de comportamento possam ser transferidos a qualquer campo de saber e prática. Quanto menos consciência e intenção, quanto mais automatismo nesses padrões de comportamento, melhor. Assim, eles se tornam hábitos de estudo.
Além de popular, o treinamento em técnicas de estudo também tem uma longa história e deu origem a todo um campo de pesquisa sobre estratégias de aprendizagem (Pozo, Monereo & Castelló, 2004). Por efeito dessas pesquisas, os cursos tradicionais de técnicas de estudo foram exaustivamente criticados (em função de sua abordagem descontextualizada da aprendizagem) e, em boa medida, reformulados. Uma nova tendência é oferecer recomendações sobre como mobilizar estrategicamente uma série de recursos mentais e procedimentais construídos ao longo da história escolar dos estudantes e constantemente exigidos e testados no contexto de cursos específicos, integrados, portanto, ao currículo regular de instituições de ensino. Eles oferecem vantagens ao estudante na medida em que promovem a tomada de consciência dos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem e permitem seu controle intencional.
Assim, as técnicas de estudo podem agora ser vistas como procedimentos regulares, já utilizados pelos estudantes – em maior ou menor medida –, no entanto, aprimorados em sua eficiência, os quais podem ser mobilizados consciente e intencionalmente com vistas a atingir certas metas em um tempo definido. Técnicas de estudo bem aplicadas podem tornar a aprendizagem estratégica. A importância das estratégias de aprendizagem consiste em tornar o uso de nossos recursos materiais e mentais mais racional e, portanto, eficiente. Com o aprimoramento de nossa capacidade de manejar a informação, de organizar o conhecimento, de investigar, comparar, memorizar e compreender, também seremos mais eficazes em atingir as metas a que nos propomos. Podemos dizer que as pessoas usam a sua inteligência para aprender, e que aprender com estratégia é ser inteligente no uso da inteligência.
Uma comparação poderá nos ajudar aqui. Imagine que alguém quer derrubar uma árvore. Essa pessoa pode simplesmente trazer algumas ferramentas e aplicar a força bruta para derrubar a árvore, e é provável que consiga. Mas se ela for estratégica, pensará antes sobre o tipo de ferramenta mais adequada para cortar aquele tipo de árvore, aquele tamanho de árvore, o tipo de ferramenta mais adequado se tiver de derrubá-la sozinho ou com ajuda de outras pessoas. Depois de decidir que tipo de ferramenta, pensará por onde deverá começar a cortar e terá de considerar onde deseja que a árvore caia. Terá de pensar quanta força ele poderá ou desejará fazer e durante quanto tempo deverá trabalhar, isso tudo para usar da melhor maneira os seus recursos materiais, seu tempo e sua força. Para que esse processo de tomada de decisão seja possível, ele deverá conhecer e possuir uma variedade ampla de ferramentas e saber utilizá-las. No caso sobre o qual aqui pensamos, em vez de derrubar árvores, a tarefa é aprender, ser bem-sucedido em um teste. O “como estudar” equivale ao “como derrubar a árvore”: é preciso, para estudar com eficiência e resultado, saber tomar decisões, conhecer e saber utilizar ferramentas de estudo com técnica.
Dito isso, é preciso considerar, contudo, que o caso é um pouco mais complexo que cortar árvores, porque há uma grande diversidade de fatores correlacionados aos resultados obtidos por estudantes nos mais diversos contextos de aprendizagem. O uso de técnicas de estudo, ainda que de maneira estratégica, é apenas um deles. Também é verdade que essas técnicas não podem ser pensadas como a solução para todos os problemas enfrentados por estudantes – todo estudante sabe disso. A investigação sobre a utilidade do treinamento em técnicas de estudo e estratégias de aprendizagem não produziu resultados conclusivos (Winne, 2013), mas há bastante evidência empírica de que algumas técnicas de estudo podem beneficiar estudantes motivados e capazes de utilizá-las, tanto em seu desempenho em sala de aula, como nos resultados obtidos em testes e em tarefas variadas com que se deparem ao longo de sua vida (Dunlosky e cols., 2013). O simples fato de haver boa evidência de que essas técnicas estão correlacionadas com resultados esperados deveria motivar os estudantes a conhecê-las. No entanto, como veremos, o fenômeno da motivação também é algo bastante complexo.
Estratégias e metas de aprendizagem
De maneira geral, estudantes são mais ou menos motivados na medida em que se sentem atraídos e efetivamente desejam ser bem-sucedidos quanto a metas acadêmicas, as quais podem ser de diversas naturezas. Por isso, também podemos dizer que a motivação é extrínseca, quando relacionada a recompensas externas ao próprio ato de estudar – quando alguém estuda para tirar boas notas ou para ser aprovado na matéria –; e a motivação também pode ser intrínseca, quando relacionada a recompensas internas ao próprio ato de estudar –, quando alguém estuda porque o que deseja é realmente a aprendizagem em si mesma, ou quando estuda porque obtém prazer extraído do próprio ato de estudar etc. Mais uma vez, a literatura não é conclusiva sobre a relação entre motivação (em suas diferentes modalidades) e os resultados alcançados pelos estudantes (Hoskins & Newstead, 2009). Mesmo assim, segundo Pintrich (2003), pode-se afirmar com segurança que tanto a adaptação cognitiva como o uso de estratégias de autorregulação estão positivamente correlacionados à motivação.
Precisamos entender esses aspectos da aprendizagem estratégica relacionados aos elementos da motivação acima citados. A adaptação cognitiva, a que esses três elementos estão relacionados, consiste na capacidade de modular, de redirecionar ou reconstruir processos cognitivos mobilizados para a aprendizagem. Está intimamente relacionada às estratégias de autorregulação, que, por sua vez, podem ser definidas como o conjunto de pensamentos e comportamentos, auto engendrados, que são sistematicamente orientados para a consecução de objetivos de aprendizagem (Schcunk & Zimmerman, 2003).
Além disso, a motivação também se correlaciona positivamente a bons resultados em sala de aula, e está negativamente correlacionada a altos níveis de ansiedade experimentada durante a realização de testes. Isto significa dizer que quanto mais motivação, melhor desempenho em sala de aula e menor nível de ansiedade em testes. Pintrich (2003) nos diz que os elementos da motivação que aparecem nessas correlações são: (a) crenças relativas à autoeficácia; (b) metas acadêmicas claras e abrangentes; (c) altos níveis de valor atribuído às tarefas de estudo. A motivação decorrente das crenças na autoeficácia, da existência de metas e do valor atribuído às tarefas acadêmicas facilitam a cognição e promovem o uso estratégico dos recursos de aprendizagem.
Isso tudo significa que nos sentimos adequadamente motivados: (a) quando achamos que temos tudo o necessário para produzir certo resultado em determinada tarefa, isto é, quando pensamos que há energia, recursos, compreensão e competência à nossa disposição. Essa crença pode se referir à nossa relação com uma tarefa específica, e também pode ser mais generalizada para a nossa relação com conjuntos maiores de tarefas. No segundo caso, está intimamente relacionada ao autoconceito, a imagem que fazemos de nós mesmos. Esta é a autoeficácia. Além disso, (b) quando temos objetivos que realmente significam alguma coisa para nós mesmos e que são concretos a ponto de nos permitirem avaliar, em cada momento, se estamos mais ou menos perto de alcançá-los, que estão efetivamente ligados a cada ação realizada por nós, dispomos de metas. Por fim, (c) quando as tarefas que nós realizamos, durante o estudo, nos parecem realmente coisas importantes de se fazer, coisas que despertam o nosso interesse genuíno ou, pelo menos, que nos parecem de fato úteis e, por tudo isso, são dignas de que gastemos com elas o nosso tempo e energia, atribuímos valor a essas tarefas. Dadas essas condições, a nossa mente se abre para o estudo e a aprendizagem. Entretanto, todo o processo pode ser travado se nos preocupamos demais com os testes.
É interessante notar que o domínio das técnicas de estudo e das estratégias de aprendizagem pode nos oferecer justamente a percepção de que a nossa capacidade de estudar e aprender aumentam (portanto, melhorando a minha percepção de autoeficácia), assim como nos prover de metas específicas a serem alcançadas e também métodos para automonitoramento de nosso compromisso com elas; por fim, as mesmas técnicas de estudo devem tornar as nossas tarefas de estudo mais significativas e proveitosas, portanto, aumentando a percepção de que o estudo é útil, importante e – talvez, quem sabe – até mais interessante. Caso nós alcancemos esses resultados, isso diminuirá sensivelmente a ansiedade nos exames.
Estratégias de aprendizagem e atitude de disciplina
A motivação adequada para o estudo deve produzir alguns efeitos. É somente motivado que o estudante será capaz de implementar todas as técnicas de estudo a serem aprendidas e com proveito. Mas a motivação também deverá inspirar no estudante uma atitude de disciplina e aumentar a sua capacidade de atenção. Quanto à disciplina, esta é uma palavra execrada em nossos dias, mas apenas porque é mal compreendida. A disciplina – segundo o sentido em que nos interessa – consiste tão-somente na capacidade de impor a si mesmo uma regra, com o fim de que isso nos beneficie. É a isso que o Barão de Montaigne se refere quando nos diz que “a verdadeira liberdade é poder qualquer coisa sobre si”, o que Renato Russo colocou em termos mais diretos: “meu amor, disciplina é liberdade”.
É Tierno (2003) quem menciona uma distinção tão interessante quanto útil para compreender os termos em que buscamos a disciplina nos estudos: vontade constituinte, aquela em que nos empenhamos, em que dedicamos energia para formar em nós hábitos de estudo ainda muito difíceis de sustentar, cujo esforço ainda parece penoso; ela dará lugar, com o tempo e persistência, à vontade constituída, produto do empenho anterior, aquela que preside os hábitos de estudos já formados, não exige tanto esforço e é acompanhada da satisfação de ter conquistado o domínio de si mesmo. O caminho que leva da vontade constituinte à constituída é a perseverança e o compromisso com as metas para as quais aponta a vontade. A recompensa de quem percorre esse caminho é a pacificação de nosso psiquismo, antes, campo de batalha entre os nossos hábitos anteriores de estudo e o nosso desejo de transformá-los.
A capacidade de o estudante se aplicar a cada uma das muitas exigências de uma prática de estudos e aprendizagem que seja efetivamente estratégica fará dele disciplinado e bem-sucedido. Esta capacidade envolve produzir intencional e sistematicamente pensamentos e ações direcionadas à uma meta de aprendizagem (autorregulação), mas também manter ou modificar esses pensamentos ou práticas ao longo do tempo, atendendo aos mesmos objetivos de aprendizagem (adaptação cognitiva). Por essa razão, a disciplina é, na verdade, a prática da autorregulação, e as pesquisas mostram que também ela está relacionada a realizações acadêmicas almejadas pelos estudantes (Schunk & Zimmerman, 2003). Segundo Pozo e cols. (2004), o poder de controlar e regular a si mesmo, planejando, executando e avaliando os próprios esforços de estudo e aprendizagem, constitui dimensão fundamental das estratégias de aprendizagem, e por isso deve ser almejado. Eles sugerem que o aspecto estratégico da aprendizagem, em boa medida, se relaciona à metacognição.
Em termos simples, a metacognição consiste num movimento do pensar em que ele se volta sobre si mesmo, seja sobre o seu próprio conteúdo, sobre os seus processos ou sobre as suas condições. De modo ainda mais simples, a metacognição ocorre quando eu penso (a) sobre aquilo em que estou pensando, (b) sobre o modo sobre o que estou pensando e (c) sobre as situações em que o meu pensamento é afetado. A amplitude do escopo desse termo explica a sua grande polissemia. Muitas pesquisas realizadas hoje em metacognição investigam esse processo em tarefas regulares do estudo e aprendizagem comum em ambiente escolar e acadêmico, por exemplo: metacognição e habilidades de leitura, de escrita e de resolução de problemas (McCormick, 2003). Por isso, a relação entre metacognição e estratégias de aprendizagem é certa, rica, mas emaranhada.
A aprendizagem estratégica, portanto, não pode ser resumida ao uso especializado de um conjunto de técnicas de estudo, ou à simples tomada de consciência de procedimentos relacionados ao estudo e à aprendizagem. Trata-se de uma atividade complexa de que fazem parte processos automáticos e conscientes. A característica fundamental da aprendizagem estratégica – também aquilo em que ela depende da metacognição – é que o estudante tome decisões sobre fins e meios de sua aprendizagem, que seja competente para intencionalmente efetuar essas decisões, monitorando e regulando seu próprio pensamento e ação, e para avaliar os resultados de toda a sua atividade.
Por tudo isso, esse curso não pretende oferecer receitas, prescrições ou ferramentas. O objetivo é discutir condições e procedimentos de estudo. Espera-se que isso seja de alguma ajuda no processo em que o próprio estudante – em sua vivência acadêmica regular – fará a apropriação das competências de tomada de decisão acima mencionadas. Mesmo assim, algumas “dicas”, fundamentadas em sólida pesquisa empírica e na experiência acumulada de estudo e reflexão, também serão oferecidas. O mais importante, no entanto, é que o estudante possa se engajar e se comprometer com o desafio de transformar e aprimorar suas estratégias de aprendizagem. Não apenas para que possa obter, futuramente, boas notas, mas para que a sua experiência acadêmica seja, efetivamente, mais proveitosa e para que obtenha sucesso como profissional e cidadão, para que obtenha excelência no cumprimento de sua responsabilidade social em uma sociedade crítica e reflexiva.
Referências Bibliográficas
McCormick, C. B. (2003). Metacognition and learning. In W. M. Reynolds, & G. E. Miller (Eds.), Handbook of Psychology, vol. 7 – Educational Psychology (pp. 79-102). Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.
Dunlosky, J., Rawson, K, A., Marsh, E. J., Nathan, M. J., & Willingham, D. T. (2013). Improving student’s learning with effective learning techniques: promising directions from cognitive and educational psychology. Psychological Science in the Public Interest, 14(1), 4-58.
Hoskins, S. L., & Newstead, S. E. (2009). Encouraging student motivation. In H. Fry, S. Katteridge, & S. Marshall (Eds.), A Handbook for Teaching and Learning in Higher Education (pp. 27-39). New York, NY: Routledge.
Pintrich, P. R. (2003). Motivation and classroom learning. In W. M. Reynolds, & G. E. Miller (Eds.), Handbook of Psychology, vol. 7 – Educational Psychology (pp. 103-122). Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.
Pozo, J. I., Monereo, C., & Castelló, M. (2004). O uso estratégico do conhecimento. In C. Coll, A. Marchesi, & J. Palácios (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação, vol. 2 (pp. 145-160). Porto Alegre: Atrmed.
Schunk, D. H., & Zimmerman, B. J. (2003). Self-regulation and learning. In W. M. Reynolds, & G. E. Miller (Eds.), Handbook of Psychology, vol. 7 – Educational Psychology (pp. 59-78). Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.
Winne, P. H. (2013). Learning strategies, study Skills, and self-regulated learning in postsecondary education. In M. B. Paulsen (Ed.), Higher Education: Handbook of Theory and Research, vol. XXVIII (pp. 377-404). Dordrecht, The Netherlands: Springer.
Texto: Hugo Matias - Pai Educador
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