A violência aconteceu. O que fazer?
Neste terceiro artigo trataremos da identificação e acolhimento em casos em que a violência sexual possa ter ocorrido.

Neste terceiro artigo trataremos da identificação e acolhimento em casos em que a violência sexual possa ter ocorrido.
Saber como falar com a criança que possivelmente foi violentada é fundamental para reduzir os danos futuros e facilitar que as medidas legais cabíveis possam ser tomadas. Alguns comportamentos são sinalizadores da violência sexual na infânciae devemos estar atentos principalmente, a mudanças abruptas de comportamento, como por exemplo:
1 - Crianças antes mais introvertidas e tranquilas, mudando seus temperamentos para mais agressivas ou expansivas e o contrário, aquelas que antes se comunicavam bem e sem inibição e repentinamente apresentando um comportamento mais introvertido.
2 - Comportamentos sexualizados, com manipulação genital excessiva ou linguajar estranho ao de seu convívio. É importante notar que, muitos dos comportamentos sinalizadores, acabam por gerar maior repreensão e afastamento por parte dos pais. Nesse sentido, as crianças se tornam muitas vezes menos submissas e obedientes, apresentam dificuldade de dialogar sobre seus afetos e surgem comportamentos opositores e desafiadores.
3- Podem começar a apresentar dificuldade de aprendizagem e concentração, pesadelos e terror noturno, escapes após desfralde consolidado e bem-sucedido.
Estes comportamentos não devem ser percebidos de forma isolada, porém a forma inesperada com que podem acontecer e mudanças no contexto e convívio familiar – após grandes reuniões familiares, viagens, mudanças no convívio infantil com outros pares – são sinalizadores de que algo possa ter ocorrido.
4- Lesões e desconforto nas regiões genitais e orais devem ser tratados com atenção.
Diante de possíveis sinalizadores, os pais devem primeiramente discutir entre si a abordagem usada com a criança, se irão promover esse diálogo diretamente, buscar ajuda profissional de psicólogo ou pediatra. É importante compreender, no entanto, que apesar de o melhor ser respeitarmos nossas limitações ,se não conseguirmos tratar do assunto em primeira instância, é fundamental que a criança perceba nosso interesse e cuidado para com ela.
A criança vítima de violência experimenta sentimentos de culpa, vergonha, invisibilidade. Sua percepção de si muda e ela se sente defeituosa ou quebrada. Por muitas vezes a raiz da vergonha está na estimulação sexual sofrida lhe gerar algum prazer e não dor, ou nela não conseguir se defender. O cuidado inicial dos pais nesse momento é primordial para que ela recupere sua autoestima e senso de identidade, não se identificando mais com a visão do perpetrador sobre ela, mas com a visão daqueles que a cuidam e protegem. Essa tratativa reduzirá os danos futuros, sequelas e até o tempo te intervenção especializada necessária nesses casos. Em resumo, aumentará a capacidade de resiliência da criança diante do ocorrido.
Leia o primeiro artigo dessa série ↓

Como dialogar com a criança?
Sobre o diálogo inicial, é importante primeiramente reforçar o acolhimento, o quanto os pais amam a criança e se preocupam com as mudanças notadas, o quanto estão dispostos a abraçá-la e apoiá-la no que for necessário. É preciso deixar clara a compreensão de que o comportamento em si não é a questão, mas o que está por trás dele.
Não é necessário trazer explicitamente a desconfiança do que possa ter ocorrido, mas criar um espaço seguro para que a criança possa falar, leve o tempo que for necessário. É válido também dizer que providenciarão o necessário para cuidar do assunto, assegurando a segurança da criança e da família, uma vez que muitas vezes as crianças são ameaçadas para manter o sigilo.
Quando a criança revela o abuso, o que não é esperado que ocorra em uma primeira conversa, mas na manutenção do diálogo aberto, é preciso deixar claro os passos seguintes e a segurança e apoio da família nesse contexto.
O que devo fazer?
O primeiro passo é buscar um profissional de saúde mental e pediatra qualificados para atendimento, assegurando a criança de que este é o caminho mais seguro a ser tomado.
Os pais não devem abordar possíveis perpetradores. O resultado dessa abordagem seria nocivo tanto para a criança quanto para a família e a possibilidade de um resultado efetivo de justiça. Após tratativa com profissionais, emissão de laudos e relatórios que suportem o relato da criança, deve-se iniciar na esfera jurídica, a partir primeiramente de denúncia do perpetrador e posteriormente de processo legal. Nessa instância a criança deve ser preservada ao máximo de pormenores, mas saber que os pais estão tomando medidas para protegê-la e continuar com atendimento psicológico e médico enquanto necessário for.
No processo de cura o comportamento da criança pode ser desafiador. Ela lidará com emoções fortes e se recuperará de um trauma intenso. Os pais precisam se manter unidos e pacientes para dar suporte, buscando atendimento psicológico e pastoral também para si, se julgarem necessário. Por mais que o apoio comunitário seja fundamental, não é uma situação que deve ser exposta a muitas pessoas pois trata da vida íntima e sexual da criança, devendo-se buscar apenas confidenciar aqueles que podem oferecer apoio real à família. Deve-se manter distância do perpetrador, de forma voluntária e legal, garantindo que a criança não mais tenha contato com este enquanto as medidas legais são tomadas.
Caso o perpetrador for um par da criança, medidas legais também devem ser tomadas e a família da outra parte será acionada. Isso é crítico principalmente porque uma criança que comete atos de violência sexual contra outra tem grandes chances de também ter sido ou estar sendo violentada. A família dessa criança não deve ser abordada diretamente antes que as medidas cabíveis sejam tomadas nas esferas devidas.
Esta não é uma série fácil de ser escrita e um assunto simples de ser tratado. Falamos aqui de um dos principais medos de pais, e muitos possuem esse medo por já terem inclusive sido vítimas de violência. Aos pais, eu encerro pedindo para que não esqueçam da graça e misericórdia de Deus sobre a nossa vida e a de nossos filhos. Ainda que diante de circunstâncias duras, o Deus que nos sustenta é capaz de transformar toda dor. Nos meus anos de atendimento pude ver crianças e famílias transformadas ao encararem juntos e de frente a situação, ao passo que as famílias que optaram pela negação sucumbiram em si. É preciso buscar primeiro a ajuda de Deus para educar e cuidar de nossos filhos e com essa ajuda discernir sobre aqueles ao nosso redor com quem podemos caminhar. Não caminhe só, Deus nos permitiu habitar em comunidade por um motivo. Por mais que situações assim abalem nossa confiança em outros, nem todos são maus e existem ainda no mundo pessoas dispostas a fazer a diferença para o avanço do reino de Deus. Que a Paz do Senhor esteja com todos nos ajudando em nossa caminhada cristã como pais.
Leia também o segundo artigo dessa série ↓

Texto: Isabella Lima - Mãe Educadora e Psicóloga e Mestre em Psicologia pela UFRJ.
Revisão: Bárbara Guinalz - Equipe Educalar
Imagem: Canva Educalar
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