Como podemos de fato prevenir a violência sexual?
Falamos no artigo anterior sobre o fenômeno da violência sexual na infância e adolescência, com a finalidade principal de compreender porquê como pais é necessário nos aprofundarmos no assunto.

Falamos no artigo anterior sobre o fenômeno da violência sexual na infância e adolescência, com a finalidade principal de compreender porquê como pais é necessário nos aprofundarmos no assunto. Neste artigo trataremos da prevenção. Quando falamos da prevenção da violência, precisamos compreender sobre fatores de risco e proteção à criança. Esses fatores variam desde conhecer o comportamento de perpetradores de violência a nos aprofundarmos em como educar e nos relacionar com nossos filhos de forma que seja protetiva. Nesse sentido, iniciaremos por tratar do comportamento de perpetradores.
Por mais longe de nossa realidade que isso pareça, é importante saber que a liberação sexual principalmente da última década afetou e muito a percepção da sexualidade infantil. Hoje, defensores da Teoria Queer por exemplo, advogam abertamente sobre como as crianças precisam ter liberdade e autonomia em explorar sua sexualidade, assim como psicanalistas renomados do último século, como Michel Foucault, permeiam em sua teoria a apologia a pedofilia. A atração sexual de adultos por crianças vem sendo cada vez mais distanciada de um transtorno da sexualidade e aproximada a uma opção sexual (ou orientação). Por mais absurdo a nós, pais e cristãos, que isso pareça, não podemos ignorar essa realidade que nos cerca.
E em que isso impacta o comportamento de perpetradores? Atualmente e graças a tecnologia que permite conexão sem responsabilidade ou identificação, a rede de pedófilos está se estruturando online como nunca. Além da expansão do mercado da pornografia infantil, isso significa um refino em estratégias de violência e proteção dos abusadores. O que sabemos através de artigos se desenrola na prática: perpetradores são indivíduos que se aproximam de crianças e suas famílias, principalmente aquelas que julgam mais vulneráveis. Aliciam crianças com presentes, brinquedos e pequenos mimos e/ou através de ameaças. A ameaça principal será sempre a de que receberão punição de seus pais caso descubram o abuso ou que os pais sofrerão dano caso ajam contra o perpetrador. Juridicamente, o abuso sexual infantil também é complexo de ser comprovado. Profissionais da psicologia são perseguidos por seu próprio Conselho ao emitir laudos, ainda que as evidências de dano sejam explícitas. É um crime sem testemunhas, comprovação e muitas vezes sem punição. Os perpetradores sabem disso. São muitas vezes figuras respeitáveis e de autoridade em nossas comunidades, que quando confrontadas, não se amedrontam ou abalam diante da acusação, pelo contrário, muitas vezes a negam com convicção. Diante do cenário minimamente assustador, como podemos prevenir nossas crianças?
Falaremos então dos fatores de risco e proteção amplamente discutidos na teoria do desenvolvimento. Fatores de proteção são aqueles que trazem o alicerce necessário ao desenvolvimento infantil saudável. A criança precisa de um ambiente de segurança física e emocional para se desenvolver, precisa ter sua integridade física e psicológica preservadas. A infância é um período sensível de aprendizagem e o cérebro muito imaturo assimila de forma inconsciente e orgânica muito mais do ambiente do que sabíamos antes. Isso não significa que nossos filhos não poderão ter experiências traumáticas, frustrantes e desafiadoras sem danos profundos. Significa que para que eles se tornem resilientes diante dessas experiências inevitáveis da vida, é necessário estabelecer uma fundação sólida que respeite cada etapa do desenvolvimento.
O que isso significa afinal? Crianças que se sentem seguras, aprendem a se manter seguras e possuem um vínculo protetivo com seus pais. Muitas vezes, é encorajado por exemplo o afastamento das crianças dos pais, na faixa etária dos 3 ou 4 anos, para que a criança socialize. Outras, a timidez ou retraimento, o desejo de estar perto dos pais, é visto como negativo. Essas percepções são incorretas, quanto mais encorajadas a proximidade dos cuidadores e incentivado o apego seguro nessa faixa etária, mais segurança a criança terá de interagir com o mundo e com as pessoas, na etapa do desenvolvimento adequada para isso. Nossos filhos não ficarão para sempre “grudados” a nós, mas se o deixarmos agir assim enquanto precisarem, saberão que podem contar conosco nas próximas etapas da vida e terão autonomia que necessitam para se desenvolver, pois sua necessidade mais primitiva de segurança foi atendida. O apego seguro com os pais é um dos principais fatores de proteção. A partir de uma conexão bem estabelecida em que a criança se sente acolhida nas emoções, cuidada em suas necessidades fisiológicas, ela desenvolve um senso de si, capaz de protegê-la de adversidades futuras.

O período da primeira infância é onde esse apego se estabelece e pode ser bastante demandante e desafiador para os pais, que muitas vezes são tentados a ouvir as vozes do mundo que encorajam o desapego e autonomia antes da hora. Crianças pequenas não devem dormir longe dos pais, mesmo em casa de outros familiares próximos, devem ser acolhidas nas suas emoções, mesmo que não tenham o que querem. Acolher a emoção não significa satisfazer todos os desejos das crianças, significa que o cérebro imaturo não é capaz de se recompor e organizar sem afeto. Esse afeto pode ser amor, mansidão e acolhimento, ou medo. Não desejamos que a criança se organize emocionalmente a partir do medo, pois isso a deixa vulnerável a outros manipularem seus afetos. Construir esse apego requer de nós proximidade de Deus e o fruto do Espírito. Requer mansidão, paciência e domínio próprio primeiramente nossos e depois deles. Nós somos o espelho que reflete o comportamento esperado. O que fazemos, eles farão.
Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Contra essas coisas não há lei. Gálatas 5:22,23
Outro ponto importante e protetivo diante da violência sexual é o desenvolvimento de autonomia no cuidado de si e sobre o próprio corpo. Obviamente, durante muitas situações da primeira infância, é necessário que esse limite do corpo seja dado pelos pais – afinal, precisamos proteger a integridade física de nossos filhos quando se colocam em situações de risco, afastando-os do perigo, removendo-os fisicamente de certas situações. Porém, quando encorajamos as crianças em seu autocuidado – escovar dentes, comer sozinho, limpar o nariz quando doente, tomar banho, lavar as mãos – estamos ensinando que o corpo delas pertence a elas e que elas precisam cuidar e proteger o próprio corpo, mais que isso, que elas são capazes disso. A partir do momento que o bebê começa a andar, ele já é capaz de, com leveza, repetição e paciência dos pais, aprender a executar essas pequenas tarefas. Não podemos nos perder no dia a dia e achar que não há tempo para ensinar essas tarefas. A autonomia sobre si desenvolve autoestima, além de na prática inclusive ser capaz de proteger a criança de situações em que dependam de outros cuidadores.
Um terceiro ponto é, desde sempre, nomear as partes íntimas das crianças com seus nomes verdadeiros, sem brincadeiras ou nomes graciosos. Reforçar a cada troca de fralda, banho, que o corpo nu é privado e que apenas o papai e a mamãe podem tocá-lo e apenas para cuidar e higienizar. A criança desde bebê precisa saber que não pode ser tocada e que pode falar com os pais sobre qualquer toque que a deixe desconfortável, independente de quem venha. Inclusive se vier de um dos pais. Caso isso aconteça por acidente, basta se desculpar e dizer que terá cuidado na próxima vez. Nosso corpo é privado e sagrado, morada do Espírito Santo de Deus e digno de ser preservado. Desde recém-nascido é importante criar o hábito de reforçar essa verdade a uma criança. Esses tópicos de proteção são fundamentais para o desenvolvimento saudável e a capacidade da criança de se proteger e escapar de situações de risco, inclusive entre pares. Muitas vezes, outras crianças que foram expostas à violência, se tornam também perpetradores e nossos filhos precisam ser capazes de buscar ajuda quando em situações de desconforto e risco. São, no entanto, pontos complexos, quando pensamos nos desdobramentos diários da educação de nossos filhos, nossas limitações e desafios. Nisso, a graça de Deus nos é suficiente. Precisamos buscar ao Senhor para identificar nossos erros como pais e nos arrependermos diante Dele e de nossos filhos.
Um questionamento importante levantado pelos opositores da educação domiciliar é se esta apresentaria um fator de risco diante da violência sexual. É preciso compreender que, se regulamentada, a educação domiciliar fica disponível a qualquer cidadão brasileiro. Recordam que falamos anteriormente sobre a articulação da rede de pedofilia atual? Essa regulamentação e possibilidade não passaria despercebida aqueles que querem causar dano. Não podemos ser ingênuos nesse sentido, inclusive porque não conhecemos a realidade e contexto familiar de cada família educadora. Esse risco, no entanto, é aumentado devido a impunidade de tal prática em nosso país e falta de real proteção à infância. Não é um risco, entretanto, que deveria ser usado para reprimir ou proibir a educação domiciliar. Enquanto pais educadores, estejamos atentos, em nossas famílias e comunidades, para agirmos em proteção das crianças sob nosso cuidado e em nosso convívio, disseminando boa informação e de qualidade. Desconfiando sim, de comportamentos que deixem a nós e a nossos filhos em desconforto. Que a graça e o cuidado de Deus estejam sobre nós nessa jornada.
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Texto: Isabella Lima - Mãe Educadora e Psicóloga e Mestre em Psicologia pela UFRJ.
Revisão: Bárbara Guinalz - Equipe Educalar
Imagem: Canva Educalar
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